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O conceito de estoque mínimo na produção de calçados (e outros manufaturados), para o mercado interno.

 

A administração de materiais na produção de calçados para o mercado interno tem várias peculiaridades que, ocorrendo em etapas distintas ou simultaneamente, resultam em restrições ao andamento regular da produção. Diversas ferramentas informatizadas e procedimentos foram empregados ao longo dos anos para remover estas restrições. O artigo que segue trata de uma visão que abrange vários estágios da administração de materiais, fornecendo informações usualmente não disponíveis à tomada de decisão.

 

Sabemos que cada material tem seu tempo de suprimento, isto é, o tempo necessário para que, uma vez constatada sua necessidade, ordens de compra sejam emitidas, recebidas pelo fornecedor e as quantidades envolvidas recebidas pela fábrica e disponibilizadas para a produção. Como nota vale comentar que nem sempre esta informação esta disponível no sistema informatizado, o que impede uma série de procedimentos relativos à administração de materiais, além dos quais aqui serão abordados.

 

Se um ou mais materiais tiverem um tempo de suprimento maior que o período coberto pela produção de pedidos vendidos, a simples emissão de ordens de compras programadas não será suficiente para garantir o andamento da produção. Esta é uma situação conhecida por todos envolvidos na administração da produção de calçados e o diagrama a seguir a descreve.

 

Tempo de suprimento em dias

15

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Produção programada em dias

10

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Período sem base p/ compras

5

 

 

 

 

 

 

 

Sem nenhuma consideração à situação descrita a parada da produção por falta de abastecimento é inevitável. A solução tradicional para esta situação são as chamadas projeções de vendas, que podem resultar em pedidos de pronta entrega ou compras antecipadas de materiais. O que tratamos neste artigo não pretende excluir este procedimento, embora seja necessário ressaltar que para seu emprego várias rotinas devem estar disponíveis no sistema informatizado, envolvendo vendas, planejamento, programação, compras, etc., que, não sendo aqui tratadas, são, porém, fundamentais para evitar graves e indesejáveis eventos.

 

A projeção de vendas utiliza a estatística de períodos anteriores em relação aos modelos, materiais, cores e grades, de forma vinculada à produção planejada. Assim, seguindo o exemplo acima, cinco dias sem produção devem se tornar primeiro um total de pares. Por exemplo: se a produção planejada for 2000 pares o total será (5 x 2000) 10.000 pares. É este o total de pares a ser distribuído pela estatística de vendas até ponto de grade. Estes pares distribuídos, como se fossem um pedido simulado de vendas, relacionados à ficha técnica de cada modelo ou produto, resultarão na compra projetada em especificação e quantidade.

 

Nada de novo ou raro. Apenas descrevemos estes procedimentos para seguir uma linha de raciocínio. Então prossigamos.

 

Uma falha evidente nas projeções descritas é a consideração de um tempo de suprimento único para todos os materiais (no caso 15 dias), enquanto existem grandes variações deste tempo entre materiais. Não considerando materiais importados, podemos constatar uma variação no tempo de suprimento entre 1 e 20 dias nos diferentes materiais. A tendência é que se formem estoques indevidos, caso se opte pelo tempo de maior duração. Uma alternativa utilizada é fazer projeções por grupos de materiais, distinguidos pelo tempo de suprimento.

 

Além da variação do tempo de suprimento, os materiais serão utilizados em diferentes centros produtivos, com diferentes datas para a sua necessidade. Os materiais para o corte devem chegar em data distinta dos materiais necessários para a montagem ou expedição.Também esta peculiaridade tende a ser ignorada nas projeções.

 

Analisando esta problemática, ainda na década de 90, percebemos que alternativas podem ser perfeitamente empregadas, proporcionando informações para tomada de decisão que, de outra forma, não estão à disposição dos profissionais envolvidos.

 

O estoque mínimo.

 

Em qualquer manual de administração podemos encontrar referência ao estoque mínimo de materiais, isto é, a quantidade mínima limite de um material, que quando atingida, dispara novas compras para garantir o andamento da produção. Sem problema quando se trata da produção de inúmeros produtos, especialmente do setor metal-mecânico. Porém, como é possível definir uma quantidade como estoque mínimo de um material, a ser digitada em campo específico da tabela do estoque, se dezenas ou centenas de produtos, com consumos diferentes e venda variável, fazem uso deste mesmo material?

 

Para responder a esta pergunta utilizaremos três aspectos acima tratados, porém em uma interação diferente:

 

Produção planejada.

Estatística de venda.

Tempo de suprimento.

 

Se considerarmos a produção planejada, não para um período de vários dias, mas para apenas um dia de produção planejada; e se este total de pares (pode ser o total de várias unidades produtivas da empresa) for relacionado à estatística de vendas ocorridas em um período próximo; então obteremos um “pedido” para um dia de produção planejada.

 

Se este pedido projetado para um dia de produção tiver seus materiais calculados pelas respectivas fichas técnicas; então obteremos a necessidade de cada material para um dia de produção planejada.

 

Se esta quantidade de cada material para um dia de produção for multiplicada pelo tempo de suprimento cadastrado para cada material; então teremos o estoque mínimo de cada material. Dado que pode ter entrada automatizada em campo adequado na tabela do estoque de materiais.

 

Como a estatística de vendas deve ser periodicamente reavaliada (ex: uma vez por semana), a quantidade calculada para o estoque mínimo passa ter um caráter dinâmico e não fixo. Não há como ser fixo na dinâmica de vendas em suas oscilações entre produtos e cores.

 

Cada material passa a ter referenciais para sua análise. A tabela que segue demonstra algumas possibilidades.

 

Material

T.S

Qtd. Dia

Planej.

Estoque mínimo

Qtd. em compras

Qtd. em

estoque

Qtd.

Total

Material

Em dias

Dif. em dias

Dif. em

u.m

Material A

15

500 u.m

7500

4000

1000

5000

10 dias

-5 dias

-2500

Material B

5

800 u.m

4000

3600

1200

4800

6 dias

+1 dia

+800

Material C

3

100 u.m

300

600

600

1200

12 dias

+9 dias

+900

 

A

B

C

D

E

F

G

H

I

 

A= TS ou tempo de suprimento.

B= Quantidade dia planejada pela produção dia e estatística de vendas.

C= A x B.

D= Ordens de compra em poder dos fornecedores..

F= D + E.

G= F/B.

H= G –A.

I= H x B.

Esta modalidade de análise, feita em uma empresa em 2002 em três períodos de venda diferentes, revelou materiais em estoque para mais de 1500 dias de produção planejada! Este evento indesejado, ocorrendo mesmo em menor dimensão e mesmo em uma pequena proporção dos materiais do estoque, seguramente resultará em milhões de Reais imobilizados indevidamente, dependendo do volume diário de produção.

 

Com as análises propostas podemos avaliar diariamente os materiais e suas quantidades, aplicando medidas corretivas a tempo de impedir formação de estoques excessivos, pois, além do impacto financeiro da imobilização indevida de capital, há grande risco de se chegar ao fim de estação com estoques que dificilmente terão uso na estação seguinte. Somente a análise metódica e rotineira, com pontos de vista que permitam correções, colocará a situação sob domínio dos envolvidos.

 

Também se torna possível avaliar diariamente a tendência em direção à falta de materiais, a tempo de impedir paradas na produção, regularizando os estoques mínimos.

 

Normalmente as empresas convivem com estes dois eventos negativos simultaneamente, isto é, sobram alguns materiais enquanto a produção sofre interrupções por falta de outros. O uso prático destas ferramentas de analise prevê a possibilidade de filtrar, na tabela de estoque de materiais, somente os materiais que estão começando a acusar falta, ou somente os que estão começando a acusar sobras.

 

A disseminação das informações geradas por esta análise por todo sistema de administração de materiais, associando seus demais aspectos, integra setores distintos como vendas, planejamento, programação, compras, produção etc.

 

A implementação destes procedimentos no sistema gerencial das empresas é plenamente possível, sendo que já desenvolvemos sistema ERP, em linguagem Delphi, com estes recursos integrados.

 

Existem, porém, uma série de detalhes que devem ser observados. Para citar apenas um: A definição da produção dia sendo a planejada, tenderá a gerar compras excessivas se as vendas não alcançarem as metas de produção planejadas. De uma forma ou de outra isto ocorre ao final de cada estação ou de cada linha. Diferentes alternativas podem ser empregadas para administrar estes eventos.

 

Além do comentado, deve se ter em conta as peculiaridades de cada empresa e seus produtos e as demais etapas do ciclo de criação, venda e produção.

 

Assim, não pretendendo nem remotamente ser a palavra final sobre assunto, mesmo por que vários aspectos sequer foram mencionados, apresentamos este ponto de vista sobre um tema que, certamente, merece nossos esforços conscientes para sua administração. Pois, do contrário se tornará a fonte ou a causa de inúmeros problemas, que nesta altura, já não terão solução eficaz.

 

Rodolfo Mossmann

O Conceito de estoque mínimo na produção de calçados (e outros manufaturados), para o mercado interno.

O artigo trata de alternativas para a administração de materiais na produção de calçados, considerando de forma prática e matemática o conceito de estoque mínimo. Este artigo foi publicado na edição 248 da Revista TECNICOURO  em Dezembro de 2009 e na  edição 90 da Revista OPINIÃO  em Abril de 2010.

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